A perseguição aos cristãos no mundo contemporâneo é um fenômeno complexo e multifacetado, com raízes em diversos contextos sociopolíticos e religiosos. Embora a liberdade religiosa seja um direito humano fundamental, milhões de cristãos em todo o mundo enfrentam discriminação, violência e perseguição por causa de sua fé em Jesus Cristo.
O extremismo religioso, especialmente o islâmico, é uma das principais causas de perseguição aos cristãos em muitas regiões. Grupos extremistas buscam impor suas crenças e eliminar a presença cristã, recorrendo à violência e à intimidação. Em países com regimes autoritários, a religião pode ser vista como uma ameaça ao poder estabelecido. Cristãos são frequentemente discriminados e perseguidos por suas crenças, que são consideradas contrárias à ideologia do Estado. O nacionalismo religioso, que busca identificar a identidade nacional com uma religião específica, também leva à discriminação de minorias religiosas, incluindo cristãos. Em regiões com conflitos étnicos, a religião pode ser usada como um fator de divisão e polarização. Cristãos podem ser alvos de violência e perseguição por sua identidade religiosa, mesmo que o conflito não seja estritamente religioso. Em muitas sociedades, os cristãos enfrentam discriminação social, como exclusão do mercado de trabalho, restrições à educação e dificuldades em praticar sua fé publicamente.
A Coreia do Norte lidera a lista de países com maior perseguição aos cristãos, devido à política de “tolerância zero” do regime. A Nigéria é um epicentro de violência anticristã, com ataques frequentes de grupos extremistas e conflitos entre comunidades religiosas. Países como Afeganistão, Somália, Líbia, Paquistão, Irã e Iêmen também apresentam altos níveis de perseguição aos cristãos.
A perseguição aos cristãos tem um impacto devastador nas comunidades afetadas, resultando em mortes, deslocamentos, destruição de igrejas e propriedades, e traumas psicológicos. A perseguição também afeta a liberdade religiosa e a diversidade cultural, restringindo a capacidade das comunidades cristãs de praticar sua fé e contribuir para a sociedade.
Organizações como a Portas Abertas, Fundação AIS e NASAREAN monitoram a perseguição aos cristãos em todo o mundo e fornecem apoio às comunidades afetadas. Diversas iniciativas buscam promover a liberdade religiosa e o diálogo inter-religioso, buscando construir pontes entre comunidades religiosas e promover a paz.
A perseguição aos cristãos é um problema global que exige atenção e ação. É fundamental promover a liberdade religiosa, combater o extremismo e a discriminação, e apoiar as comunidades cristãs que enfrentam perseguição em todo o mundo.
Realidade na Nicarágua
Na Nicarágua, por exemplo, a repressão aos cristãos se intensifica constantemente, e vozes críticas ao atual presidente Daniel Ortega e seu governo são rotuladas como desestabilizadoras. Legislações recentes têm possibilitado acusar líderes religiosos de terrorismo e conspiração.
Desde os protestos de 2018 contra o regime ditatorial, a liberdade religiosa no país tem sofrido um declínio contínuo. Anos depois, a perseguição persiste contra aqueles que se opõem ao governo, atingindo até mesmo quem ofereceu abrigo e auxílio médico aos manifestantes.
Cristãos que denunciam a corrupção e as violações governamentais enfrentam perseguição e prisão. Adicionalmente, propriedades cristãs são confiscadas, escolas, estações de televisão e instituições de caridade de cunho religioso são fechadas, e as igrejas são monitoradas e intimidadas. Diante dessa pressão, muitos cristãos, especialmente líderes religiosos, são forçados a fugir do país, enquanto outros são expulsos ou expatriados. Aqueles que permanecem enfrentam restrições de imigração e crescente dificuldade de locomoção dentro da Nicarágua.
A influência contínua dos cristãos na Nicarágua é um dos motivos da perseguição governamental, visando silenciar a igreja, minar sua credibilidade e impedir a propagação de sua mensagem.
A Igreja Perseguida
Cristãos perseguidos no Império Romano
Após o incêndio de Roma em 64 d.C., a perseguição aos cristãos, antes pontual, intensificou-se drasticamente sob o imperador Nero, que os culpou pela tragédia. Essa opressão se alastrou, marcando o início de um período de sofrimento generalizado por todo o Império. Cristãos eram torturados e queimados por professarem sua fé.
Essa perseguição generalizada atingiu a igreja em todas as suas comunidades, e foi nesse contexto de adversidade que grande parte do Novo Testamento foi escrita na prisão. No século II, a Carta a Diogneto, de autor desconhecido, já apresentava a perseguição como um elemento intrínseco à vida cristã. O autor descreveu os cristãos como pessoas que “amam a todos, mas são perseguidos por todos. São desconhecidos e condenados, recebem a pena de morte e ganham a vida”.
Apesar de seu rápido crescimento, a igreja primitiva enfrentou repetidos ciclos de perseguição. Tertuliano ilustrou essa realidade ao escrever que, diante de qualquer calamidade no Império Romano – seja a cheia do Tigre, a seca do Nilo, terremotos, fome ou peste –, o clamor imediato era: “Os cristãos aos leões!”, pois eram injustamente responsabilizados por todos os males.
Em 250 d.C., sob um dos mais cruéis episódios de perseguição, o imperador decretou que todos os cidadãos deveriam sacrificar aos deuses romanos. Aqueles que cumpriam a ordem recebiam certificados, enquanto os que se recusavam eram presos ou executados.
A culminação dessas perseguições ocorreu em 303 d.C., quando o imperador Diocleciano ordenou a destruição de todas as igrejas, a confiscação dos livros cristãos, a expulsão dos cristãos do exército e do governo, e a prisão dos líderes religiosos. Eusébio registrou a destruição de inúmeras cidades cristãs na Ásia Menor durante esse período, que ficou conhecido como a “Grande Perseguição”, considerada a mais sangrenta contra os cristãos no Império Romano.
Cristianismo se tornou a religião oficial do Império Romano
A liberdade para os cristãos foi finalmente conquistada através do sacrifício dos mártires. Em 313 d.C., o imperador Constantino oficializou o cristianismo como religião do Império Romano.
Após esse marco, estabeleceu-se um período de paz instável que durou cerca de duzentos anos, caracterizado por uma relativa tolerância dentro das fronteiras do mundo então considerado “civilizado”.
No entanto, os missionários que ousaram levar o evangelho às tribos consideradas “bárbaras” além dos limites do Império Romano – principalmente os povos germânicos como hunos, vândalos, visigodos, ostrogodos, francos, lombardos e anglo-saxões – continuaram a enfrentar perseguições.
Outros povos que perseguiram os cristãos após a queda do Império Romano
O historiador Kenneth Latourette denominou o período entre 500 d.C. e 1500 d.C. como “os mil anos de incerteza”. Durante esses dez séculos, o cristianismo confrontou dois grandes inimigos que trouxeram dor e sofrimento a muitos: os povos bárbaros e o islamismo.
O primeiro desses inimigos, os bárbaros, foi eventualmente subjugado, embora com grande dificuldade e sofrimento, culminando no triunfo do evangelho entre eles.
Durante a Idade Média, tribos bárbaras avançaram da Ásia Central para o oeste da Eurásia, sepultando os vestígios do Império Romano e forçando os habitantes nativos a refugiarem-se nas montanhas. Um aspecto notável dessa história é o despertar da igreja para esse desafio, enviando missionários como Columba de Iona, que revitalizou o cristianismo entre os pictos na Escócia, e Bonifácio, conhecido como o Apóstolo dos Germanos, para converter os bárbaros a Cristo.
Essa foi uma tarefa árdua e prolongada, marcada pela persistente perseguição. O historiador Stephen Neil observou que “cada rebelião do povo era acompanhada pelo ressurgimento do paganismo, e a longa história de martírio e de massacres lança um brilho fúnebre ao processo pelo qual os saxões foram finalmente convertidos”.
Cristãos começaram a ser perseguidos pelos muçulmanos
Em um curto período, a igreja no Norte da África foi aniquilada, e no Oriente Médio, subjugada, com sua própria sobrevivência em risco. Nos cem anos subsequentes à morte de Maomé, seus seguidores expandiram suas crenças até o cerne do mundo cristão, conquistando Jerusalém em 638 d.C., Cesareia em 640 d.C. e Cartago em 697 d.C. Por volta de 715 d.C., grande parte da Espanha estava sob domínio muçulmano, cuja expansão só foi detida em 732 d.C. por Carlos Martel na batalha de Tours, na França.
Para as comunidades cristãs que resistiram, as conquistas islâmicas trouxeram consigo treze séculos de opressão, relegando os cristãos à condição de cidadãos de segunda classe, sujeitos a humilhações e perseguições institucionalizadas.
Naquela época, ser cristão sob o domínio islâmico implicava o pagamento de um imposto individual compulsório e o risco de ter os filhos levados pelo governante árabe.
Perseguição aos cristãos passou acontecer dentro da igreja
A igreja institucionalizada, centralizada em Roma, desenvolvia novas doutrinas, o que gerou crescente descontentamento entre alguns de seus membros. Estes passaram a buscar uma espiritualidade renovada, independente da hierarquia clerical e mais ancorada nas Escrituras Sagradas.
Esses movimentos culminariam na Reforma, desencadeando uma nova onda de perseguição que, originada no seio da própria igreja, persistiria por quase quinhentos anos. Era o prelúdio de um conflito que tornaria a perseguição um elemento recorrente na experiência cristã, similar aos primeiros trezentos anos da existência da igreja.
A resposta do papado a essas novas correntes foi severa e inevitável. No século XII, os valdenses foram perseguidos e excomungados. Em 1415, o reformador religioso John Huss foi queimado na fogueira. Em 1498, Girolamo Savonarola, um padre dominicano que clamava por reformas na Igreja Católica, foi martirizado.
No início do século XVI, a Reforma liderada por Lutero iniciou um movimento de renovação espiritual que, mais uma vez, tornou a perseguição e o martírio um preço comum a ser pago pelo compromisso espiritual com Cristo.
Impacto da Reforma Protestante na perseguição aos cristãos
Quatro décadas após Martinho Lutero afixar suas 95 teses na porta da igreja de Wittenberg, na Alemanha, John Foxe publicou “O Livro dos Mártires”. Esta obra se tornou uma das publicações mais influentes na Inglaterra durante um período de duzentos anos. Na era elizabetana (1558-1603), era comum encontrar em cada lar tanto a Versão Autorizada da Bíblia quanto um exemplar do livro de Foxe.
Foxe registrou a história daqueles que foram perseguidos e mortos por suas convicções ao longo dos anos, incluindo precursores da Reforma Protestante como Wycliffe e Huss, Jerônimo de Praga, Tyndale, John Hooper, Ridley, Latimer e Cranmer. A popularidade do livro atesta que a perseguição era um preço que muitos cristãos esperavam pagar por sua fé naqueles tempos conturbados.
A história oferece inúmeros outros exemplos de intolerância para com a fé cristã. No continente europeu, os anabatistas – que desenvolveram ideias consideradas radicais tanto no âmbito religioso quanto social – também tiveram seus mártires e suportaram vinte e cinco anos de severa perseguição.
Na Inglaterra, os cristãos puritanos foram forçados a deixar o país no século XVII em busca de liberdade religiosa nas colônias norte-americanas. Na França, dez mil protestantes franceses foram massacrados na noite de São Bartolomeu. Mesmo após o Édito de Nantes, que em 1598 concedeu liberdade religiosa aos protestantes, os huguenotes continuaram a ser perseguidos no país. Jean Crespin, um advogado, documentou a realidade enfrentada pelos protestantes franceses em seu livro “The Martyrologe”, um testemunho do sofrimento dos huguenotes e valdenses, bem como da condenação de centenas de cristãos às galeras.
Por aproximadamente trezentos anos, os cristãos reformados (e, em certa medida, os católicos em países protestantes) foram alvo de violenta perseguição.
Cristãos passaram a enfrentar menor perseguição na Europa
Uma nova era de tolerância gradualmente se estabeleceu na Inglaterra e na Holanda ao final do século XVIII, enquanto no restante da Europa, esse cenário se concretizou no final do século XVII. Exausta pelas sangrentas guerras religiosas e influenciada pelo pensamento iluminista, que defendia a separação entre religião e vida cotidiana, a perseguição aberta cessou na Europa Ocidental e na América do Norte (embora ainda persistisse certa discriminação contra os protestantes em países católicos).
No final do século XIX, impérios europeus autodenominados “cristãos” se estendiam por todo o globo. Sob a proteção dos poderes coloniais, aquele século testemunhou um grande movimento missionário, com igrejas sendo estabelecidas nas nações recém-colonizadas.
A igreja nutria a esperança de alcançar o mundo inteiro antes do alvorecer do século XX. A perseguição era um evento esporádico, e aqueles que a enfrentavam eram, em sua maioria, os nativos convertidos.
Até mesmo Samuel Zwemer, um proeminente missionário americano atuante no mundo muçulmano, acreditava que era apenas uma questão de tempo até que os muçulmanos fossem alcançados pelo evangelho de Cristo. De alguma forma, a igreja ocidental havia se esquecido da persistência da perseguição.
O nazismo e a perseguição os cristãos
A ideologia de Adolf Hitler não tolerava a existência de instituições autônomas em relação ao governo. Nesse contexto, algumas igrejas cristãs, como a Católica Romana, buscaram uma concordata e se subordinaram ao Estado Alemão em 20 de julho de 1933. Ambas as partes compartilhavam a visão do ateísmo como um inimigo e um fator de intensificação da imoralidade.
Lamentavelmente, certas igrejas cederam ao governo e se integraram ao sistema nazista, a exemplo da Igreja Evangélica de Berlim e Brandemburgo. Estas chegaram a coordenar um campo de trabalhos forçados entre 1943 e 1945, onde centenas de pessoas do Leste Europeu eram forçadas a cavar sepulturas e realizar a manutenção de um cemitério.
Essas igrejas faziam parte do plano de Hitler de estabelecer uma Igreja Nacional alinhada com a ideologia nazista. Anos mais tarde, seus líderes reconheceram o erro de suas ações e contribuíram com 4,9 milhões de dólares para um fundo de assistência às vítimas do nazismo.
Contudo, alguns pastores e cristãos pagaram com a própria vida por se oporem ao regime nazista, como Dietrich Bonhoeffer. Este ministro da Igreja Luterana e professor universitário expressou claramente sua oposição à ditadura nazista e defendeu que a igreja deveria resistir à injustiça do Estado e tinha o dever de amparar as vítimas, mesmo que não pertencessem à comunidade cristã, como era o caso dos judeus. Ele foi um dos fundadores da Igreja Confessante em 1934, uma ala protestante contrária ao nazismo. Em 1943, foi preso, passou pelo campo de concentração de Buchenwald e foi enforcado em abril de 1945.
Outros, como a família de Corrie ten Boom, na Holanda, ofereceram abrigo a judeus em sua casa, protegendo-os dos nazistas em um período em que diversos países da Europa haviam sido invadidos pelo exército do Terceiro Reich. Em 1944, a casa desses cristãos holandeses foi invadida, e todos foram levados para a prisão de Scheveningen, onde o pai da família faleceu. Posteriormente, foram transferidos para os campos de concentração de Vught, na Holanda, e Ravensbrück, na Alemanha. Nesta última prisão, Corrie perdeu sua irmã Betsie. Em 1944, Corrie foi libertada da prisão devido a um erro burocrático, mas suas companheiras de prisão da mesma idade foram executadas uma semana após sua soltura.
Perseguição aos cristãos na Coreia do Norte
Os primeiros livros cristãos alcançaram a Península Coreana em 1603, trazidos por um diplomata que havia estado em Pequim. Ele iniciou a disseminação de informações sobre Jesus no território. Contudo, em 1758, o rei Yeongjo de Joseon proibiu o cristianismo no país, e os cristãos passaram a sofrer severa perseguição entre 1801 e 1866. Estima-se que, durante esse período, aproximadamente oito mil seguidores de Jesus foram mortos em razão de sua fé.
Em 1905, com a anexação da Coreia do Norte ao Japão, observou-se um crescimento no número de adeptos do cristianismo no país, culminando em um grande avivamento em 1907. A capital Pyongyang chegou a ser conhecida como a “Jerusalém do Oriente”. No entanto, os japoneses perseguiam os cristãos na tentativa de forçá-los a prestar culto ao imperador.
Após a derrota do Japão na Segunda Guerra Mundial, Kim Il-sung ascendeu ao poder e estabeleceu um regime comunista e ateísta na Coreia do Norte. Seguiu-se a Guerra da Coreia (1950-1953), que resultou na divisão da Coreia em dois países: Coreia do Norte e Coreia do Sul. A partir desse momento, muitos cristãos fugiram, e dezenas de milhares foram mortos, presos ou banidos da Coreia do Norte. A igreja passou a operar na clandestinidade, perdendo sua visibilidade anterior. O país ocupa a primeira posição na Lista Mundial da Perseguição desde 2002.
Perseguição aos cristãos na China
A perseguição aos cristãos na China tem raízes históricas profundas, remontando à dinastia Ming (1368-1644), período em que os cristãos foram expulsos do país. No entanto, a perseguição na forma como a conhecemos hoje teve seu marco inicial em 1949, com a fundação da República Popular da China. Esse evento sinalizou que qualquer religião que demandasse a lealdade dos cidadãos chineses em detrimento do Estado seria vigorosamente combatida, resultando na partida de missionários cristãos estrangeiros do país.
Embora exista uma igreja reconhecida pelo Estado chinês, esta deve lealdade ao Partido Comunista e operar em conformidade com suas normas e valores.
Atualmente, estima-se que 96,7 milhões de cristãos na China enfrentam hostilidade por parte de funcionários do governo, partidos políticos e líderes religiosos não cristãos. O atual presidente Xi Jinping tem consolidado seu poder através de um firme combate a qualquer ideologia que possa representar uma ameaça à sua autoridade máxima. Nesse contexto, cristãos convertidos de outras religiões e membros de minorias religiosas, como os muçulmanos de Xinjiang, também se tornam alvos de ações mais diretas.