E dize: Quem foi tua mãe? Uma leoa entre os leões a qual, deitada no meio dos leõezinhos, criou os seus filhotes.
E educou um dos seus filhotes, o qual veio a ser leãozinho e aprendeu a apanhar a presa, e devorou homens,
E, ouvindo falar dele as nações, foi apanhado na cova delas, e o trouxeram com cadeias à terra do Egito.
Vendo, pois, ela que havia esperado muito, e que a sua expectação era perdida, tomou outro dos seus filhotes, e fez dele um leãozinho.
Este, pois, andando continuamente no meio dos leões, veio a ser leãozinho, e aprendeu a apanhar a presa, e devorou homens.
E conheceu os seus palácios, e destruiu as suas cidades; e assolou-se a terra, e a sua plenitude, ao som do seu rugido.
Então se ajuntaram contra ele os povos das províncias ao redor, e estenderam sobre ele a rede, e foi apanhado na cova deles.
E com cadeias colocaram-no em uma jaula, e o levaram ao rei de Babilônia; fizeram-no entrar nos lugares fortes, para que não se ouvisse mais a sua voz nos montes de Israel.
Ezequiel 19, versículos 2 à 9
No vasto leque de histórias e ensinamentos da Bíblia, as parábolas são ferramentas poderosas. Embora Jesus seja o mestre inquestionável nesse formato, o Antigo Testamento também nos presenteia com narrativas alegóricas que, de forma mais concisa, transmitem verdades profundas. Uma dessas joias é a Parábola dos Filhotes de Leão, encontrada no livro de Ezequiel, no capítulo 19, versículos 2 a 9.
Essa não é uma história para embalar o sono, mas sim uma lamentação poética do profeta Ezequiel. Ela é um grito de tristeza e juízo sobre os príncipes (reis) de Israel, especificamente os últimos monarcas de Judá, e a triste decadência da gloriosa linhagem real de Davi.
A Leoa e Seus Filhotes: Uma Alegoria da Nação
Imagine uma leoa majestosa – ela representa a nação de Judá, ou a própria dinastia de Davi, que já foi uma “leoa entre leões”, ou seja, uma nação proeminente e respeitada. Dessa leoa, nascem os “filhotes de leão”, que não são outros senão os reis que ascenderam ao trono.
O Primeiro Filhote: Um Reino Roubado e Levado Cativo
Ezequiel descreve o primeiro filhote. Ele foi treinado para ser um leão forte, aprendeu a caçar e, tragicamente, a “devorar homens”. Essa imagem chocante simboliza o abuso de poder e a opressão que esse rei exercia sobre seu próprio povo.
Mas o ciclo de violência teve um fim. Esse filhote foi capturado por nações inimigas e levado cativo para o Egito, com “ganchos no nariz”. Essa é uma imagem forte, que remete à forma como animais selvagens eram controlados e levados para o cativeiro.
A identidade desse primeiro filhote é amplamente aceita: trata-se de Jeoacaz (também conhecido como Salum), filho do rei Josias. Ele reinou por apenas três meses e foi levado para o Egito pelo Faraó Neco II (Segundo Livro de Reis, 23, versículos 31 à 34; Jeremias 22, versículos 11 e 12).
O Segundo Filhote: A Continuação da Opressão e o Exílio Final
A leoa (Judá) vê sua esperança esvair-se com a captura do primeiro filhote, mas não desiste. Ela cria outro “leãozinho”, outro rei para seu trono.
Esse segundo filhote também se torna um leão forte, aprende a caçar e, lamentavelmente, a devorar. Ele destrói fortalezas e devasta cidades, e seu “rugido” aterroriza a terra. Isso mostra que a história se repete, com a violência e a iniquidade persistindo.
As nações vizinhas, ao ouvirem falar dele, armam uma cilada, o capturam com ganchos e o levam cativo para a Babilônia. Lá, ele é preso, e seu “rugido” silencia nos montes de Israel.
Este segundo filhote é geralmente identificado como Jeoaquim ou Zedequias. Jeoaquim foi levado cativo para a Babilônia por Nabucodonosor (II Reis 24:8-15), e Zedequias, que também teve um reinado turbulento, teve seus olhos vazados antes de ser levado ao exílio (Segundo Livro de Reis, 24, versículo 18 e 25, versículo 7).
A Mensagem da Parábola
Essa parábola é uma lamentação profunda sobre a falha da liderança. Ela destaca a responsabilidade moral individual dos reis de Judá. Eles foram criados para serem líderes poderosos, mas, em vez disso, tornaram-se predadores e opressores do seu próprio povo.
A desobediência a Deus e a busca desenfreada por poder e riqueza levaram à sua própria destruição e, tragicamente, ao fim aparente da dinastia de Davi (pelo menos até a vinda de Jesus, o herdeiro legítimo do trono).
A Parábola dos Filhotes de Leão, em Ezequiel 19, é uma poderosa alegoria. Ela nos lembra as consequências devastadoras da desobediência e da irresponsabilidade na liderança, e como a falta de justiça pode levar à ruína, mesmo para os mais poderosos. É uma lição atemporal sobre o peso da coroa e a importância da retidão.